Eu nasci em uma manhã tranquila. Longe dos gritos de parto
de minha mãe, longe das roupas brancas e das águas límpidas da torneira de
inox.
Talvez não houvesse feto nem fato. Mas estava ali, intruso
na natureza constante de estar. Impassível ao vento, à fumaça, ao barulho de
gente na gente da cidade.
Já passeava pelas tintas de Jackson Pollock e tinha como
herança na alma os caminhos de Rimbaud. Por certo recebi uma conjugação e não a
respeitei. Sou verbo tolo, rústico demais para regras oratórias e bobagens gramaticais.
Sertanejei antes de engatinhar. As certezas eu vi em armas que de grito calavam, foi um susto primeiro, depois me acostumei a nadar entre
homens em decomposição. Pendulei em cores, ouvi o bom som. Lambi as línguas
boas e vomitei em papéis desprezíveis.
Nasci distante de mim e voltei a tempo, em tempo de prisão em
corpo, de dores e missões. Sento no topo da primeira montanha que avisto em primeira hora do dia e combato mais um disparo. Somos, por acaso, a tangente dos
deuses em terra, sem hoje sem ontem e em gozo com a plena forma do ar que um
dia envelopou nossa alma por séculos de liberdade.
Nasci tão antes que só restava saber. Quando soube a vida me
pariu por entre pernas de quem um dia eu fui apenas brisa.
By Camila Passatuto
2 comentários:
fantástico, muito bem escrito!
talvez a tangente dos deuses
se parta de esquecimentos...
Postar um comentário