Biografia da Autora

Camila Passatuto nasceu em 1988, na cidade de São Paulo. Autora dos livros "Nequice: Lapso na Função Supressora" (Editora Penalux, 2018) e "TW: Para ler com a cabeça entre o poste e a calçada" (Editora Penalux, 2017).

Editora do projeto editorial O Último Leitor Morreu (conheça o projeto e as publicações). Escreve desde os 11 anos e começou a atuar nos meios digitais, com blogs de poesias e participações em diversas revistas e projetos literários, em 2007.

Contato: camila.passatuto@gmail.com


domingo, 31 de outubro de 2010

Existência 2.2

Sou mulher
Feita de outras tantas por aí
Altas, baixas, brancas, calmas
Todas que passam e se deixam em mim.

Sou homem
Feito de tudo quanto eu posso ser feito
De aço, cobre, pedreira e mata virgem
Tudo que me deixa robusto e forte.

Sou a idade avançada
Sou a juventude que anda por aí tão cansada.
Sou mistério de senha
Sou o relógio de bolso que te demora.

Sou canto de sereia
E colares jogados ao pé da cama
Sou pecado
Sou fé que de noite a criança clama.

Sou fim de verso
Sou o silêncio após
Sou mulher, homem, bicho do mato
Deixo de ser quando não quero e sempre sou.

Sou mais quando acabo
E deixo um bater escasso
Um sorriso de lado
Sou quando me findo em seus lábios.

Sou pequena
Sou esbelto e grandioso
Sou macho sou fêmea
Sou poesia, sou poema.

By Camila Passatuto

sábado, 23 de outubro de 2010

Contém urânio*

Rezou mais uma prece.
Mais fé, mais súplica.
Quer o bem
E para isso tem que sofrer.

Destruição em massa
Modelando o típico
O ridículo de sempre.
Mais fé, mais estridente.

Decide um ou outro futuro
Que não seja o seu
Não faz arte, não faz nada
Tem fé, tem coragem e não é.

Lá fora, lutam por poder
Cá dentro, ele luta
Por poder ser menos
Por querer ter mais.

Que fé? Que paz?
Permaneceu virgem de atos
Na catedral de mármore podre
Não luta por amor, por nada.

Releu relatos, não entendeu.
Pilatos, Jesus
E um cristo inventado.
Quem é? Quem eleger?

Ao sangue um dia jorrado.
Bebeu um gole de piedade
Véu sobre a consciência
Urna de prazeres em dormência.

Rezou mais uma prece.
Com dores dispares
Alívio não terá, sabe bem.
Mas insiste e me bate.

Grita em voz humilhada.
- Poeta, filho da puta,
Livre seus versos
Da escolha absurda.

Implorou como jovem no cio
Não sei se depois rezou...
Leu dossiês, reviu a matriz.
Era dia de eleger um nobre pingüim.

By Camila Passatuto

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Solidão em Sete Atos

Não falo de solidão... Porque dela, assim em tal ato, tiro a essência do existir.
É o que faço com a musa, com os temas e esquemas sutis que rondam minh’alma.
Poeta é sugador de existência.
Doa o que dói... Às vezes uma paz a mais.

Solidão que tão minha se tornou.
Hoje na varanda nem os fantasmas acompanham minha inanição poética.
O vento que não corre, faz pairar mais solidão em meus poros, o calor de estar só me envolve. Não reclamo, não lamento...
Eu sinto a paz que desenvolve meu eterno crescer de rebento.

Não sinto falta do que é ausente.
Solidão não é isso, solidão ainda deve ser definida poeticamente.
Se já se fez em algum tempo, pois bem, renovo definição, tão alegremente que irão morder os tornozelos e salpicar palavrinhas... Essa aí não é mulher sozinha.

Cai tristeza por onde caiu.
Cadê o pai, a mãe, os irmãos e irmãs?
Cadê a infância de pé sujo, de lenha e fogueira... Cadê o meu passado que não deve nem cobra...
Só de lembranças, de família
Do que fui quando criança.
Nego as dores e sou homens das mulheres e delas são as flores.
Cadê o colo de meu avô, seu chapéu, seu baralho... Nosso eterno corsário... Cadê?
Estou só de passado.

Solidão enterra minhas mágoas.
Das traições, dos amigos que nunca provei,
Do andar sem andares ao meu lado,
Dos sorrir sem outras alegrias, tudo um grande vão descompassado.
Solitário, seguro de sua existência... Segue feliz
Sabe o que não pertence
Sabe-se tão
Sabe-se só.

Estou só com o poema mais lindo que já fiz
Ele une almas
A minha com a sua
Ele une traumas.
Estou só com as músicas que ouvíamos.
Elas unem nossas melodias sussurradas durante o dia.
O meu grave e seu agudo.
Estou só, estou mudo...
Você colada n’alma,
Só assim enfrento o mundo.

Meus fantasmas esqueceram
De deixar um lembrete.
Que quando eu envelhecesse
Sairiam para bailar
Talvez comemorar meu encerramento,
Talvez por desacato ao meu viver.
Meus fantasmas esqueceram
Que não é tão feliz aquele
Que está só
Quando vai morrer.

By Camila Passatuto

sábado, 2 de outubro de 2010

Prece Poética

Deus, explica essa desavença de razão.
Como pode alguém ser tão triste e feliz ao mesmo tempo?
Deus, explica essa minha falta de emoção.
Para outros jardins não tenho mudas suficientes a florescer.
Meu Deus...
Alavanca em mim o discernir eterno do amor
A força que me faz calar diante de tanto esplendor.

Deus, meu camarada, diz a ela que não pode fazer invernada
Em sonhos que tão quentes quanto os meus, nada ascende...
Vivo em pecado com a verdade; toda sagrada vez que calo.
Calo em mim apenas palavras, meu camarada, grito a alma.

Deus das regras sem condutas,
Exige de mim o conter,
A fuga voraz. Onde, dela posso me esconder?
Diz a ela que não dá mais
Tive sonhos tempos atrás
Eu corria e impedia...
Hoje vivo a angústia que provia.

Deus, as madrugadas são santas nuas
Envolvem qualquer perdido
Como eu que vago em pensamento pelas ruas
Livrai-me das rosas sem pétalas
Dos vinhos que invadem em mim outro ser.
Deus, explica para mim
Qual o sentido de tudo nunca ter fim
Vivo como homem eterno
Esperando o que é ação em meu caderno.

Deus, diz a ela que na cidade as pessoas não existem
Que estou só entre os muitos sozinhos, cegos e mendigos...
Que arranjo um trocado com os poemas que faço, refaço.
Diz a ela que sobrevivo rindo dos pássaros da praça
Que mesmo com asas
Não conseguem se libertar de suas próprias almas.
Diz a ela que sou triste
Que sou pedinte
Que sou ouvinte dos homens que não tem o que falar.

Deus, onde está sua presença a não ser em todo lugar?
Então, diz a ela que sou teu
Diz que quando sentir saudade
É para pulmonar.
Porque tu és ar
Diz a ela que estou em ti
Que quando ela quiser ter a mim é só respirar.

By Camila Passatuto