Biografia da Autora

Camila Passatuto nasceu em 1988, na cidade de São Paulo. Autora dos livros "Nequice: Lapso na Função Supressora" (Editora Penalux, 2018) e "TW: Para ler com a cabeça entre o poste e a calçada" (Editora Penalux, 2017).

Editora do projeto editorial O Último Leitor Morreu (conheça o projeto e as publicações). Escreve desde os 11 anos e começou a atuar nos meios digitais, com blogs de poesias e participações em diversas revistas e projetos literários, em 2007.

Contato: camila.passatuto@gmail.com


quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Espere, poeta...

Passei o dia todo com uma dor crônica. O tórax, que antes, tão inútil para as minhas atenções, hoje foi ator principal em todas as cenas. Ele dói, contorce minha face, escorre minhas lágrimas, dificulta minha respiração, endurece meu sorriso e faz uma tristeza pairar no contexto que abraça essa pobre criatura que em busca de acalanto se reportou às letras, aos garranchos azuis, às folhas tortas e mortas...
Dias assim, de dor intensa, costumam ser produtivos para almas que se deliciam no desabor da culminância de vida. Dias assim transcendem.
Para completar minha mórbida vontade de criar, o cinza do céu ficou mais baixo, pude visualizar todos os fantasmas redentores, mais conhecidos como anjos. Esses não entenderam a face rancorosa que eu, sem a arte a encenação, atuava serenamente.
Em algum momento vibrei fraquinho o som que explica: “eu sinto dor, meus anjos, eu sinto a dor que destrói sorrisos.”
Após apreciarem a melodia suave, entreolharam-se, doaram risadas e foram embora, deixando apenas mais dor em meu peito. Anjos são isso. Deveria ter compreendido que eles nos salvam apenas com esperanças, só que hoje eu decidi não esperar por nada.
Mover não seria a solução, remover muito menos... Passei o dia na inquietude que assombra qualquer enfermo.
Quis escrever poesia, mas logo lembrei que não podia... Isso só iria piorar a dor que se por hora era física depois dos versos seria dor de alquimia...
Não pude abusar da musa, estava precisando era de seus abusos em carinhos e cura em toques... Não quis mais escrever poesia, e isso não soou como regalia... Poeta quer verso que finda toda e qualquer dor, poeta quer viver verso para versar vivendo... Só que hoje fui mais além, neguei o que clamava aqui por dentro... Queria criar, mas não era verso que estava por nascer.
Percorri todos os cômodos da casa, cada um com suas lembranças em minhas paredes, eles se viram em mim, tatuados com meus sentimentos... Essa era a casa que me criou; esse o esconderijo que de tempos em tempos me injuriou.
Poderia criar um conto contando o que fui aqui, o que deixei de ser e o que eu quisesse contar, inventar mais sonhos e finalizar com esperança, só que lembrei que hoje eu não estava esperando mais nada... Resolvi deitar.
Meu cobertor, se ele pudesse dizer o quanto de amor por debaixo dele eu derramei... O quanto de felicidade eu trouxe para cá, nessa cabana que desde criança me abriga o sono. Viu-me crescer, sonhar, chorar, desejar e amar. Eu poderia escrever um livro com tudo o que ele viveu comigo, mas as lembranças machucam quando nelas está o passado de quem deveria ser presente e futuro.
Decidi descansar.
A dor sempre mais intensa com a calma do passar de cada segundo.
Respiração fraca, a glote quase fechada... Não reparei no que estava acontecendo, pois sonhava em relento, imaginava o meu amor aqui do lado, acariciando, confortando-me com um afago... Seus dedos virando meus cabelos e seus lábios na ponta de meu ouvido dizendo: “Cuidado, mas calma, estou aqui”. E meu sorriso nascendo esperançoso, cheio de vida, cheio do amor mais gostoso...
Respiração nula.
Glote totalmente fechada.
E não havia sorriso nem esperança, não havia musa ao lado de minha cama, porque hoje eu resolvi, por capricho de vida, ou de morte, não esperar por mais nada.

By Camila Passatuto

Um comentário:

Unknown disse...

É assim que se morre em vida, pra poder renascer..