Biografia da Autora

Camila Passatuto nasceu em 1988, na cidade de São Paulo. Autora dos livros "Nequice: Lapso na Função Supressora" (Editora Penalux, 2018) e "TW: Para ler com a cabeça entre o poste e a calçada" (Editora Penalux, 2017).

Editora do projeto editorial O Último Leitor Morreu (conheça o projeto e as publicações). Escreve desde os 11 anos e começou a atuar nos meios digitais, com blogs de poesias e participações em diversas revistas e projetos literários, em 2007.

Contato: camila.passatuto@gmail.com


terça-feira, 28 de setembro de 2010

Na conta

Eu deveria ter descoberto nosso futuro nas praças.
E mais versos compostos de nossas travessuras, sim.
Dias e noites com mais linhas tênues dos corpos, da gente.
Eu deveria ter sido o jornal daquela manhã, eu deveria...

No sofá, tomou alguma decisão sem consultar, ali está.
Falou que eu poderia não ter tais destinos, outros abrigos.
Eu é que deveria não assumir e sumir; negou a renuncia.
Eu deveria ter gravado seus solos imaginários, hoje só...

As raivas sem motivos, eu deveria ter dado alguns...
Para os beijos esquisitos, deveria ter invento mais um.
O abraço que anula todo o resto; o meu gosto repleto...
Eu deveria ter colado nossos laços em pacotes maiores.

Eu deveria ter logado nossa senha e queimado os papéis.
Eu deveria ter cuidado melhor de seus sonhos, meus também.
Eu deveria ter bebido mais de ti, ter sido o pra sempre Romeu.
Eu deveria ter sido mais épico, mais romântico... mais Orfeu.

By Camila Passatuto

domingo, 12 de setembro de 2010

Ideia

Um dia, quando andava pela rua, percebi uma ideia batendo na porta que eu nunca abria. Como o dia estava frio demais para qualquer coisa ficar do lado de fora... Deixei entrar.
Cheia de si, instalou-se em mim. Gritou como fêmea raivosa e exigiu em claro som algo que não pude negar. Ela recitou um pedido que segue abaixo:

Ora, minha menina,
O tempo atrasa
Quando não percebemos,
Quando não fazemos nada.
Corre para seu papel,
O principal.
E tome posse da pena
Do tinteiro...
Faça de mim, algo
Que não salve só sua alma,
Mas o mundo inteiro.

Após essas palavras, tornei-me o que sou.
Alma vaga e mente liberta.
Alguns até dizem:
Essa é poeta.

By Camila Passatuto

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Espere, poeta...

Passei o dia todo com uma dor crônica. O tórax, que antes, tão inútil para as minhas atenções, hoje foi ator principal em todas as cenas. Ele dói, contorce minha face, escorre minhas lágrimas, dificulta minha respiração, endurece meu sorriso e faz uma tristeza pairar no contexto que abraça essa pobre criatura que em busca de acalanto se reportou às letras, aos garranchos azuis, às folhas tortas e mortas...
Dias assim, de dor intensa, costumam ser produtivos para almas que se deliciam no desabor da culminância de vida. Dias assim transcendem.
Para completar minha mórbida vontade de criar, o cinza do céu ficou mais baixo, pude visualizar todos os fantasmas redentores, mais conhecidos como anjos. Esses não entenderam a face rancorosa que eu, sem a arte a encenação, atuava serenamente.
Em algum momento vibrei fraquinho o som que explica: “eu sinto dor, meus anjos, eu sinto a dor que destrói sorrisos.”
Após apreciarem a melodia suave, entreolharam-se, doaram risadas e foram embora, deixando apenas mais dor em meu peito. Anjos são isso. Deveria ter compreendido que eles nos salvam apenas com esperanças, só que hoje eu decidi não esperar por nada.
Mover não seria a solução, remover muito menos... Passei o dia na inquietude que assombra qualquer enfermo.
Quis escrever poesia, mas logo lembrei que não podia... Isso só iria piorar a dor que se por hora era física depois dos versos seria dor de alquimia...
Não pude abusar da musa, estava precisando era de seus abusos em carinhos e cura em toques... Não quis mais escrever poesia, e isso não soou como regalia... Poeta quer verso que finda toda e qualquer dor, poeta quer viver verso para versar vivendo... Só que hoje fui mais além, neguei o que clamava aqui por dentro... Queria criar, mas não era verso que estava por nascer.
Percorri todos os cômodos da casa, cada um com suas lembranças em minhas paredes, eles se viram em mim, tatuados com meus sentimentos... Essa era a casa que me criou; esse o esconderijo que de tempos em tempos me injuriou.
Poderia criar um conto contando o que fui aqui, o que deixei de ser e o que eu quisesse contar, inventar mais sonhos e finalizar com esperança, só que lembrei que hoje eu não estava esperando mais nada... Resolvi deitar.
Meu cobertor, se ele pudesse dizer o quanto de amor por debaixo dele eu derramei... O quanto de felicidade eu trouxe para cá, nessa cabana que desde criança me abriga o sono. Viu-me crescer, sonhar, chorar, desejar e amar. Eu poderia escrever um livro com tudo o que ele viveu comigo, mas as lembranças machucam quando nelas está o passado de quem deveria ser presente e futuro.
Decidi descansar.
A dor sempre mais intensa com a calma do passar de cada segundo.
Respiração fraca, a glote quase fechada... Não reparei no que estava acontecendo, pois sonhava em relento, imaginava o meu amor aqui do lado, acariciando, confortando-me com um afago... Seus dedos virando meus cabelos e seus lábios na ponta de meu ouvido dizendo: “Cuidado, mas calma, estou aqui”. E meu sorriso nascendo esperançoso, cheio de vida, cheio do amor mais gostoso...
Respiração nula.
Glote totalmente fechada.
E não havia sorriso nem esperança, não havia musa ao lado de minha cama, porque hoje eu resolvi, por capricho de vida, ou de morte, não esperar por mais nada.

By Camila Passatuto

domingo, 5 de setembro de 2010

Desculpas de Poeta

Perdão ao leitor que leu e não gostou.

Não gostou de entender, compreende.

Não deleitou a possibilidade de criar.

Gritou: Ora! É tu, nobre, o autor...


Perdão ao mau entendedor de versos.

Que passou a profanar minh’alma,

Por não mais escapar das armadilhas.

Armadilhas obstinadas ao entender.


Perdão ao sonhador que se viu preso.

Preso em proposta de liberdade, livre.

Inquinado pelos sons do poema.

Sonhou ateu, sonhou plebeu...


Perdão às musas que não inspiraram.

Passaram cegas por meus olhos, assim.

Alvas demais, puras de vontade, pobres.

Sem cortes, sem versos. Ninfas egípcias.


Perdão aos sentimentos ocultos, sóbrios.

Que apenas em entrelinhas vivem, rainhas.

Comeram acentuadas dispersões do leitor,

Culpa do poeta que claro som não versa.


Perdão ao universo incorreto que consome.

Consome tudo que mistifico em almas...

Crio outros lugares, outros perdões,

Outros fins, como esse que se compõe.


By Camila Passatuto

sábado, 4 de setembro de 2010

Ao corpo.

Você está cansado, velho amigo.
Não respira satisfeito,
Não sorri,
Não desfalece no leito.

Todas as noites são claras
Em claro tormento.
A mente caiu.
O Espírito nem sempre eleva.

Você faz força para sorrir,
Você luta por esperança,
Você me pertence,
Corpo doente que balança.

Move o telégrafo dos prazeres
E nenhuma palavra de volta...
Você está cansado, velho amigo.
Tantos anos se decepcionando, cuidado.

As cenas que representam fortalezas.
Harmonia farsante,
Angustia desde a placenta, eu caí.
O Espírito nem sempre representa.

E você não pode mais caminhar.
As pernas tremem.
As mãos gelam, não sentem.
O peito dói, corpo balança.

Os dias que seriam de recuperação
Tornaram-se imersão.
Tempo vasto perdido.
Entre o clamar... O suplício.

Você pede ajuda, velho amigo.
Mas ocupados demais
Mas desajeitados demais.
Ninguém tem tempo, há volta...

Mais noites em claro penar.
Busca de algo.
Perdido entre almas,
Almas perdidas que não se acham.

E você chora, velho amigo.
Sou de ti inquilino.
Sou alma, tu me desde abrigo
E choro contigo; sofro a cada gemido.

E implora abrigo
E foge
E afasta
E se torna mais frio, esquisito.
.............................................................
N’alguma noite por vir
Na tristeza irá surgir
O desejo realizado
O corpo da alma libertado.

By Camila Passatuto

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Fracasso Moderno.

Permaneço imparcial,

Mas o que são parcelas?

O cartão venceu

Nas contas exatas.


O telefone toca,

Mais uma

Cobrança.

Exigência nossa.


Permaneço imparcial.

Os passos longos.

O corpo se movendo,

Cálido.


No chão mais um menino.

Permaneço espacial, olho.

Moedas, moelas... Tanto faz.

Ofereço de carinho breve.


Voltei para casa.

Juntei alguma riqueza,

Paguei as parcelas.

Mas falta o amor em minha mesa.


Acordo atordoado

Atrasei, acordei.

O mundo cinza

Exige polidez.


Hora do trabalho

Do que vale meu centavo?

Permaneço mais escravo.

Moedas, moelas... Escasso.


No chão mais um menino

Permaneço mais cansado

Ofereço de carinho breve

A rotina de vassalo.


Em casa o banho quente,

Masturbação não contente.

As contas, ponta de lápis,

Dias sem te ver, fico exigente.


O cartão venceu

Nas contas exatas.

No natal mando outro

Vai ler quando durmo nas escadas.


Da sacada de princesa

O ouro de mendigo

A realidade desse pobre

É cada verso que aqui digo.


Sem dinheiro, sem sonhos.

A fortuna é rasa,

Forma limites...

Expulsou-me de casa.


Permaneço louco vadio,

Na porta de algum banco,

Deitado em tímido canto.

Quando passa, peço um mango.


Olha sem jeito, reconhece tal sujeito.

Os lábios são os mesmos, desejos.

Moeda é o que joga no chão, agradeço.

Oferece de valor breve o que um dia não tinha preço.



By Camila Passatuto